Autorretrato
Esta
mulher que me fita do fundo do espelho
acho que não sou eu.
Mas se eu não sou ela e ela
não sou eu,
então quem sou eu?
Sou todas as rugas de minha
face
Sou todos os fios brancos de
meus cabelos
Sou todo o cansaço de meu
corpo
Sou todos os pensamentos que
pensei
Sou todos os sentimentos e
emoções que senti
Sou todos os sonhos que
sonhei
Sou todas as experiências que
vivi
Sou
tudo o que deveria e o que não deveria ter feito
Sou tudo o que fiz e tudo o
que não fiz.
Sou tudo isto e ainda mais,
pois sou também as rugas que
a plástica levou
os fios brancos de cabelos
que tingi
tudo aquilo que fingi
o
amontoado de pensamentos, sonhos e sentimentos
que se escondem
em cantos escuros da memória
em pontos recônditos do
coração
em pregas e vincos da alma,
alguns envergonhados, outros
tristes,
mordidos
de remorsos pelo que poderia ter sido
e não foi, ou foi errado.
Sou ainda
o que pensaram de mim
o que sentiram por mim
o que sonharam para mim
o que viveram por mim
o que me deixaram viver
o que me deixaram sentir
o que me deixaram sonhar
o que não me deixaram viver
o que não me deixaram sentir
o que não me deixaram sonhar
o muito ou pouco que me
amaram.
Por isso olho e não me
reconheço.
Porque ao me olhar no espelho
só me vejo com o olhar do
momento fugaz
em que meus olhos encontram
meus olhos
no fundo do espelho.
(Do livro Versos ao Longo do Caminho)
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