O som dos sinos, melodia antiga a destoar em meio ao
moderno ruído das buzinas, traz reminiscências de um tempo diferente. Nem
melhor, nem pior, apenas diferente.
Àquela época, os sinos marcavam nossas horas, nos chamando
para a missa, a reza. Conhecíamos as diferenças no seu badalar, se era um dobre
alegre ou triste, boa ou má notícia.
Crianças cantando - na realidade, berrando – na missa:
“prometi na piscina sagrada, a Jesus sempre e sempre adorar...” (Elas diziam pescina)
Nas ruas de paralelepípedos, o caminhão do leite deixa
o som das garrafas a chacoalhar em seus engradados.
O padeiro, controlando burro e carroça, entregando os
pães às portas dos fregueses.
O verdureiro apregoando sua mercadoria.
Os bondes deslizando nos trilhos, gente a correr ao
seu encalço, para não perder a hora do trabalho ou da escola. Cobrador e
motorneiro, sempre os mesmos nos mesmos horários, com paciência e tempo para
esperar seus passageiros, também sempre os mesmos. Todos se conheciam pelos
nomes.
Gritos e cantos de crianças brincando na rua, jogando
bola, pulando corda, brincando de pega-pega.
Vizinhos conversando às portas das casas. “Bom dia,
dona Fulana, seu filhinho melhorou?”
A empregada varrendo a casa ao som da radionovela.
Mães mandando seus filhos buscar alguma coisa na
mercearia da esquina, a do japonês: “pede pra marcar na caderneta.”
Gente varrendo as calçadas, alguns a regar os jardins.
Aqui e ali, em alguns quintais, galinhas ciscando, um
galo cantando.
Os bem-te-vis gritando que tinham visto, mas não
dizendo o quê...
Os aposentados dando umas voltinhas pelas ruas do
bairro, trocando um dedo de prosa entre si, comentando as notícias do jornal.
Cheiro bom de bolo de fubá e café recém-coado.
Pressa havia, que todo mundo tinha horários a cumprir,
mas parece que não era tanta quanto hoje. Menos carros nas ruas, trânsito mais
fácil, gente mais paciente, sei lá...
Menos violência, menos medo, mais liberdade...
Minhas recordações não se referem a pequena vila no
interior, não. Falo de minha infância, nos anos 50 do século passado, num
bairro da zona sul de São Paulo. Acredite quem quiser!
(do livro Uma Rede na Varanda)
Adorei sua crônica, Lu. Quando eu era adolescente, ainda peguei São Paulo quase desse mesmo jeito. Voltei no tempo...
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