HOMENAGEM


Homenagem



Aos quatro ou
cinco anos, eu era uma garotinha que já gostava de fazer versos. Parece que eu
encerrava as minhas “apresentações” sempre com a mesma frase: bonecas no meu
coração. Tudo a ver com a minha paixão do momento...
Ao longo de
minha vida ouvi meu pai repetir esta estória. Aliás, sempre com muita alegria e
orgulho da “precocidade” da primogênita.
Por isso, o
título do blog é uma homenagem a meu pai, Humberto Narbot.

domingo, 31 de março de 2013

ACALANTO


A paz envolve tudo

em meio ao sofrimento mudo

das horas tristes que correm

e ninguém vê.


A noite desce

suave e mansamente

e, em humanos corações,

a dor que cresce

traz muito silenciosamente
         o odor suave dos perdões...                                             

sábado, 30 de março de 2013

CREPÚSCULO





Na tarde quieta

o doce repicar dos sinos.

Derradeiros raios de sol

aquecem a tarde.

Na velha praça silenciosa

só a canção das folhas

dançando ao vento,

e os sinos, sempre os sinos.

O céu se avermelha

de crepúsculo.

Vai-se o sol

nasce a primeira estrela.

Chega a noite

morna e perfumada..

Mais silêncio,

foi-se o repicar dos sinos.

No ar triste e quieto

dançam ao vento

folhas e saudade.

Foto da autora - Manarola,  Cinque Terre, Ligúria, Itália - setembro de 2010

sexta-feira, 29 de março de 2013

A MAGIA DAS PALAVRAS


 

As palavras, para mim, são, não apenas seres vivos, mas seres mágicos, fadas ou duendes, não sei. Possuem, com certeza, uma varinha de condão que lhes permite transformar e interpretar praticamente tudo.

Palavras são capazes de transmitir emoções, sentimentos. Com palavras amamos, brigamos, fazemos as pazes. Através delas magoamos ou consolamos, estimulamos ou derrotamos. Palavras podem unir ou separar.

Usando as palavras “pintamos” uma paisagem, “desenhamos” uma cena, traduzimos um estado de espírito, narramos uma história, resumimos uma vida.

Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras. Pode ser. Um por-do-sol sobre o mar tem mais riqueza na imagem que no relato. Mas uma foto de alguém não poderá transmitir, em plenitude, o sentir do momento, objetivo que as palavras cumprem. Por isso, creio que palavra e imagem se equivalem, sem supremacia de nenhuma; cada qual em seu lugar, com sua função.

As palavras nos transportam no tempo e no espaço. Mergulho nelas e desembarco na Bahia de Jorge Amado, na Londres de Agatha Christie, na Rússia de Dostoievsky, na Paris de Molière. Sinto com elas as angústias de Baudelaire, vivo a Comédie Humaine de Balzac. Mergulho novamente e chego aos dias atuais, penetrando a Fortaleza Digital de Dan Brown. Viajei tranquilamente, sem sair de minha poltrona confortável.

As palavras, como nós, nascem, envelhecem e morrem, porque entram em desuso. Alguém lá sabe o que é vitupério? Surgem novas, a definir novas tecnologias, novos estilos de vida.

Lembro-me de meus tempos de criança, a brincar com as palavras em “descrições” e narrativas.

Naqueles tempos de antanho, em que ainda não haviam nascido as palavras multimídia, deletar, etc., nosso sonho de consumo era uma caneta-tinteiro Parker 51, supra-sumo do luxo ao escrever. Com uma destas, ficaríamos livres daquelas canetas de pena móvel, que era necessário molhar no tinteiro colocado em compartimento próprio na carteira escolar. Se tivéssemos a tal Parker, mãos e roupas poderiam conservar-se livres de manchas de tinta! A esferográfica, revolucionária, só surgiria depois, já na minha adolescência.

Naquela época em que o papel era rei, semanalmente a professora colocava à frente da classe, num cavalete, um quadro com alguma cena que tínhamos que descrever, ou sobre a qual deveríamos criar uma história. Concentrados, buscávamos as palavras mais bonitas que conhecíamos.

Na volta das férias, era certo que seríamos intimados a relatar as experiências vividas, as viagens, na tradicional redação “Minhas férias”. Os mais pobres, cuja viagem não ultrapassava o campinho de futebol do bairro, usavam a imaginação e as palavras para descrever sua maravilhosa estada à beira-mar, ou a visita à fazenda da vovó. A narrativa vinha tão cheia de detalhes que quase se podia sentir o cheiro da maresia, ou ouvir o mugido das vacas...

Ah, as palavras... Que poder de sedução elas têm! Gosto tanto delas, que sempre tive mania de fazer listas de palavras bonitas ou sonoras.

Bruma, por exemplo, me envolve em névoa, de verdade. Brisa me acaricia e me transporta ao mar. Bombom adoça minha boca. Onda me embala docemente e me faz lembrar de sonhar...

É assim que as palavras me penetram, me envolvem, me despertam. Vivo nelas e elas vivem em mim...

 

quinta-feira, 28 de março de 2013

PROCISSÃO DO ENCONTRO


É tempo de Páscoa

e me vem à mente a infância

e as coisas simples que então havia:

o capim pro coelhinho,

ovos cozidos tintos com cascas de cebola,

e as procissões,

ah! as procissões.

A do Encontro era de madrugada

bem cedinho;

papai ia com os homens

por um caminho

e eu por outro,

com as mulheres.

Ao fim da procissão,

defronte à Igreja,

o Encontro,

que para mim, pequenininha,

não era o do Cristo com Sua Mãe,

mas meu encontro com papai.

Nas procissões noturnas

havia as velas, tão bonitas,

e o medo de que alguém

incendiasse os cabelos do vizinho

Quisera eu ser ainda

a menininha

e, ao fim da procissão

do Encontro,

poder, de novo, encontrar meu pai.

quarta-feira, 27 de março de 2013

A NOITE PASSOU


 
 
 
A noite passou.

 

Deixou lágrimas

em tristes olhares.

 

A noite passou.

 

Longa saudade

de amores ausentes.

 

A noite passou.

 

Olhos molhados,

almas vazias de sonhos.

 

A noite passou.

 

E entre tanta tristeza

deixou o perdão.

 

A noite passou.

 

Foto da autora

terça-feira, 26 de março de 2013

O CÃO


Era um cão sem raça e sem dono, que perambulava pelas ruas do bairro. Mas não era um cão vadio qualquer, tinha até nome, dado pelos moradores: Zé.

Dizer que era sem raça, era até ofensa. Não tinha pedigree, é certo, nem características definidas de raça alguma. Mas tinha ares altaneiros, altivos, de quem sabe quem é e o que quer.

Vadio não era. Apenas livre, sem peias nem coleira. Por isso vagava sobranceiro, nobre, digno, observando o mundo ao seu redor. Ninguém lhe impunha os rumos do passeio, nem lhe dizia quando era chegada a hora de parar. Decidia tudo isso por si mesmo, o Zé. Era seu dono.

Dizer que era sem dono, equivale a dizer que era sem teto, e também sem alguém que lhe provesse o de-comer. Em termos. Por não ter um dono fixo e obrigado a dar-lhe sustento, encontrara vários.

Sem-teto, mas não invasor. Fica à espera, do lado de fora dos portões, que tem noção de propriedade e privacidade. Quando alguém saía porta a fora, Zé o encarava com seus olhos mansos, ternos, quase humanos. Era praticamente certo que aquele a quem o olhar fora dirigido, voltasse sobre seus passos em busca de algo para o Zé.

Irresistível, o olhar do Zé. Os moradores dos apartamentos, de suas janelas e varandas, vendo o Zé a passear, desciam com a merendinha para o cão. Até porteiros e faxineiras dos edifícios, sabendo que ali era possível rota do Zé em seu passeio, deixavam discretamente na calçada, um pratinho de comida e uma tigelinha de água. Bem mimado, esse Zé, cão sem dono só no nome.

E assim seguia o Zé, sem dono mas alimentado, livre, escolhendo a cada noite o cantinho de rua onde pousar a cabeça e dormir. Pela manhã, repousado, retomava sua vida de andarilho, de explorador das belezas do mundo.

Tornara-se conhecido no bairro, personagem típico, saudado por todos os que por ele passavam. Os homens, presos a inúmeros compromissos, apressados na luta pela vida. Zé, o sábio, calmo e tranquilo em seus vagares, na certeza de que alguém proveria o de que necessitasse. Levava sua vidinha de cão.

Um dia, o Zé sumiu. A gente passava pelas ruas e não o via. Aos portões das casas e edifícios, pratinhos cheios, mas abandonados. As pessoas às janelas, procurando ver se o Zé aparecia, preocupadas com o que lhe teria sucedido, se estaria alimentado, doente. Será que foi pego pela “carrocinha”?

Cadê o Zé?

Não sabemos o que houve com ele, se foi desta para melhor, embora parecesse bem satisfeito com esta, não procurando melhor. Ou só mudou de bairro, buscando novas paisagens, novas gentes? Pode dar-se que em outro bairro, cansado de ser solitário, tenha encontrado outro cão por companhia. Ou então, em outra área, tenha sido tratado com mais consideração e carinho, o que não creio possível, visto que aqui era muito bem tratado e considerado. Mas, se assim foi, foi deste (bairro) para melhor...

segunda-feira, 25 de março de 2013

SEXAGENÁRIA




Desde agora quase tudo me será permitido,

pois volto a ser criança

e resgato a ingenuidade

e o não ter medo do ridículo.

De hoje em diante,

por motivo de minha recém conquistada liberdade

de ser velha-criança,

continuo a ter a esperança

que nunca perdi,

a sonhar todos os sonhos

que nunca deixei de sonhar,

a cantar, ainda que desafinada,

todas as canções que quiser,

inclusive e sobretudo as fora de moda.

Não rompo laços

porque nunca estive amarrada.

Insisto e persisto, como sempre,

a viver em paz comigo mesma,

com o mundo,

com o riso e a alegria.

Hoje é só uma data,

apenas um dia entre o ontem e o amanhã,

somente símbolo a confirmar

que o importante,

o real, o verdadeiro,

é amar e ser feliz.

 

Campinas, dezembro 2004.

Foto do acervo da autora 

domingo, 24 de março de 2013

A ALMA DAS CIDADES





O que é uma cidade, uma cidade qualquer? Um amontoado de ruas, tortuosas ou não, de avenidas, casa, altos edifícios, teatros, cinemas, lojas? Talvez também um parque verde, uma lagoa, um rio que a corte? Será ela somente seu aspecto físico, sua localização geográfica? Ou, mais que isso, ela é sua história, seus habitantes, os estranhos que a percorrem, os que a amam ou odeiam?

A beleza de uma cidade estará apenas em seus atributos naturais, estéticos, ou haverá nela uma beleza intrínseca, invisível a olhos que não saibam buscá-la?

Penso que poderíamos analisar uma cidade tal como o fazemos com um ser humano que, embora fisicamente longe do que se convencionou classificar como padrão de beleza, porta, entretanto, uma luz interior que o transforma e embeleza. Em ambos os casos é preciso ter olhos de ver...


Foto da autora

sábado, 23 de março de 2013

ILHA





A ilha

que sou

chora

a solidão

de ser deserta.

 

A ilha

que sou

canta

a alegria

de ser só.

 

A ilha

que sou

vive

da saudade

de ser ilha.

 

Campinas, 23/08/1964.

Foto da autora
 


sexta-feira, 22 de março de 2013

PRESENTE DE NATAL





 

 

Neste Natal

quero ganhar alguns tesouros

ocultos, preciosos,

mas não raros:

um abraço

um afago

um amigo,

um ombro onde pousar a cabeça

e descansar da luta cotidiana,

ouvidos que me ouçam

com paciência,

um olhar de carinho

um sorriso acolhedor,

tolerância para meus erros,

gente amiga ao meu redor

e muito amor.

Mas, ousada e ambiciosa

quero mais, muito mais:

quero o dom de saber ouvir,

de saber quando falar ou calar,

quando sorrir,

quando ajudar,

quando sumir,

quando afagar,

e aprender

a compreender

a acolher

e a perdoar.
 
 
 
Poesia classificada em segundo lugar no Primeiro Concurso Poesias de Natal, promovido pela Academia Mateense de Letras - AMALETRAS

 
Foto da autora
 

REFLEXOS E REFLEXÕES





Na foto, um edifício de vidros espelhados reflete outro. E, enquanto o reflete, incorpora-o. Apossa-se de seus contornos, de sua sombra. Já não é mais o mesmo, pois tem em si gravada a imagem do outro.

Almas são também superfícies espelhadas, a refletir outras almas. De certo modo as incorporam, apoderam-se de suas sombras e luzes, de suas essências e nuances. Porém, ao contrário dos edifícios, movem-se. E encontram assim maior oportunidade e gama de escolhas do que vão refletir. A cada momento, mudando o objeto refletido, modificam-se e enriquecem-se.




Foto da autora

quinta-feira, 21 de março de 2013

CHUVA


 
 

 

Chuva mansa.

Deslizam suas lágrimas pela vidraça.

As minhas, pela face.

 

Vento suave.

Lá fora geme suas mágoas.

As minhas, dentro.

quarta-feira, 20 de março de 2013

OUTONO (Indriso)


 

 

Tapete de flores

Esparsas no chão

Resumo de outono.

 

Tecido de dores

Mudo coração

Ressuma abandono.

 

No outono do Tempo, beleza.

 

No outono da vida, tristeza.

terça-feira, 19 de março de 2013

MULHER MARAVILHA


Tento conciliar tudo, trabalho, casa, marido, filhos, interesses pessoais. Diria que é missão impossível. Nosso cotidiano tornou-se infernal, apesar das apregoadas facilidades tecnológicas. Ou até por causa delas.

Sinto-me, às vezes, como se fosse participante de um reality show: encontram-me pelo celular, facebook, e-mail e até, acreditem, pelo jurássico telefone fixo!

Já tentei, juro, virar Mulher Maravilha, mas rodei, rodei, e tudo o que consegui foi ter vertigens! Seria bom ter alguns momentos só para mim, para ler, escrever, jogar conversa fora tomando um cafezinho com uma amiga. Mas parece que este sonho dourado é mais difícil do que aquele antigo, de transformar sapo em príncipe.

Impossível voltar no tempo. Tão impossível quanto parar o progresso. Então, encaremos as feras e vamos em frente, dando um jeitinho aqui, outro ali, arremedos que somos da Mulher Maravilha.

segunda-feira, 18 de março de 2013

AUTOCRÍTICA


Sou pontual.

Será virtude

ou mania?

(Os ponteiros do relógio

não permitem fantasia).

 

Improviso nem pensar.

Tudo muito planejado

Pra coisa não desandar.

 

Quando escapo da rotina

pareço barata tonta

ou canção que desafina.

 

Não ando na contra-mão

Não furo fila em cinema

Não gosto de confusão.

 

Quero tudo a tempo e hora.

Não gosto de me atrasar

nem de esperar quem demora.

 

Sou pontual.

Sou certinha.

Sou chatinha!!!

sábado, 16 de março de 2013

PALAVRAS AO VENTO


Desassombrada

jogo ao vento

palavras minhas

recém pensadas.

 

Já semeados

recolho versos

recém abertos

inda orvalhados.

 

Recolho histórias

recém contadas

com palavras

ao vento jogadas.

sexta-feira, 15 de março de 2013

AGRADECIMENTO


 

 

 

 

Cansada que estou da longa viagem

pela estrada cheia de sol

e de pedras,

agradeço-Te, Senhor,

a sombra amiga da árvore

que plantaste

em meu caminho.

terça-feira, 12 de março de 2013

Melodia


 

 

 

De entre as brumas

jovens e claras

da manhã risonha

surge o sol

e alguém que sonha.

Nas espumas

brancas e imensas

se esconde o sol

e novamente,

os olhos se fechando,

há alguém contente

por estar sonhando.                                

São Paulo, 18/05/1963.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Dá tantas voltas a vida


 

 

 

Dá tantas voltas a vida

nos leva pra lá e pra cá,

tem subida e tem descida,

passo à frente e passo à trás,

que ficamos aturdidos,

confusos, tontos, perdidos

com as voltas que a vida dá.

domingo, 10 de março de 2013

A Lua Demitida


Inexoravelmente. Como sempre.

No transcurso lento e oco dos anos. Seguindo o velho de barbas, o velho da foice.

O trajeto é misterioso. Não se conhece. Isto é, os astrônomos sim, mas não os poetas. Que são mais sábios.

Desconfio que o caminho é triste e inglório. Com estrelas se apagando, sonhos indo embora, a realidade tomando conta outra vez da vida de todos.

Então, dizem, o céu se torna azul.

Mas, então, a noite morre e a Lua é demitida.